Edson Nery é
visto por alguns como papa da biblioteconomia no Brasil, entre outros
motivos por ter ajudado a montar dois cursos universitários da especialidade –
no Recife e em Brasília –, por ser autor de livros essenciais na formação
acadêmica dos bibliotecários, por ser um defensor da modernização das bibliotecas
e por nunca ter poupado bibliotecas e colegas de profissão de comentários
amargos.
Edson Nery
cresceu no Recife, na rua do Progresso, filho de um representante comercial e
de uma dona de casa, pais de sete filhos – Ida, Edson, Amelinha, Jorge, José,
Lúcia e Paulo. Apenas as duas irmãs mais novas estão vivas. Com 90 anos
completados em 6 de dezembro, Nery não consegue mais sustentar seu corpanzil de
1,89 metro sem apoio. São dois enfermeiros que se revezam de segunda a
sexta-feira, um terceiro que o ajuda no fim de semana e uma cozinheira
trabalhando na casa dele.
Quando jovem
foi convocado a servir no 14º Regimento de Infantaria em 1943, quando o Brasil
começava a organizar a Força Expedicionária Brasileira que iria ao combate na
Segunda Guerra. Quando deixou o Exército, havia desistido do monastério
e foi para o Rio de Janeiro estudar na Biblioteca Nacional, no primeiro curso
superior de biblioteconomia no Brasil.
Ele começou a
alinhavar sua história com a da biblioteconomia moderna no Brasil em 1948,
quando voltou a Pernambuco e reformou a biblioteca da Faculdade de Direito da
Universidade do Recife. Sua primeira atitude ao chegar foi pedir ao diretor que
mandasse embora todos os funcionários que não tinham dado certo em outros
setores e estavam encostados ali. “Pedi para realocarem um lá que passava o dia
tomando sol no jardim. Depois ele voltou um dia e me disse, armado e bêbado:
‘Vim aqui para tirar sua vida.’ Fiquei apavorado, mas consegui fugir. Fui ao
diretor da faculdade dizer: ‘Olha, vocês demitiram o homem e agora estou sendo
ameaçado de morte.’ O diretor me disse: ‘Ah, Edson, me desculpe, ele realmente
tinha cara de assassino’”, diverte-se.
Ao deixar a
universidade, Nery peregrinou por vários empregos. Inspecionou as bibliotecas
públicas de Alagoas pelo Instituto Nacional do Livro, foi aos Estados Unidos
trabalhar na biblioteca da União Pan-Americana, passou pela biblioteca pública
de João Pessoa, mas voltou ao Rio de Janeiro quando percebeu que não
conseguiria mudar “o ar bolorento dos livros e do diretor”. Achou um rumo
quando, em 1956, passou em segundo lugar no concurso público para a Biblioteca
da Câmara dos Deputados, ainda na antiga capital federal.
Como tinha
servido ao Exército durante a Segunda Guerra e trabalhado em Brasília nos
primeiros anos da cidade, antigos cálculos da Previdência permitiram a Nery se
aposentar em 1964, aos 43 anos. Passou a trabalhar o dia todo na Universidade
de Brasília, a UnB, onde já dava meio expediente havia dois anos. Hoje recebe
aposentadoria de 25 mil reais da Câmara.
Alvos de
crítica de Nery são os bibliotecários que impedem a modernização de bibliotecas
achando que a informatização acabará com o valor do livro. Ele cita o poeta
francês Stéphane Mallarmé – “Tudo o que no mundo existe começa e acaba em
livro” – para dizer que, por consequência, tudo começa e termina em biblioteca.
Também tem um posicionamento muito polêmico com relação aos políticos, poucos o
agradam, certa vez falou sobre o Lula “Dizem que o Lula uma vez sofreu um
atentado. Sabe como? Jogaram um livro no carro dele.” (HÁ!Ha!Haaaa!),
também noutra ocasião afirmou que pode ser que a presidente Dilma Rousseff use
a biblioteca: “Se bem que não sei, porque ela é mais técnica do que culta.”.
Este espírito provocador e a qualidade literária inquestionável de sua escrita
fazem de Edson Nery não apenas um bom autor no campo da biblioteconomia mas sim
uma verdadeira sumidade.
(Texto editado do artigo: O memorialista – amizade e os
livros de Edson Nery da Fonseca. – de Carol Pires. Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-72/figuras-das-letras/o-memorialista)
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